Iron & Wine/Calexico – In the Reins

A História tem bastantes capítulos negros no seu grande livro. Há guerras, pestes, catástrofes naturais e os penteados nos anos 80, entre muitos outros. Mas só com muito esforço algum dos itens referidos conseguiriam atingir as trevas dominadas pelo capítulo das colaborações musicais. Se ainda não começaram a chorar ou a tremer de pânico, recordem-se de George Michael com os Queen (pós-Mercury, claro) ou de qualquer dueto efémero envolvendo Barbra Streisand, Céline Dion ou Elton John. Está bem, é capaz de ser injusto. Sozinhos também não se safam muito bem, é verdade. De qualquer maneira, é realmente complicado ouvir coisas que valham a pena no âmbito de colaborações. Mas, tal como em guerras e catástrofes naturais, este capítulo tem os seus pontos de interesse.

In the Reins (2005) marca a primeira colaboração entre Iron & Wine e Calexico. O primeiro projecto é um “quase” alter-ego de Sam Beam, cujas letras requintadas e voz melodiosa são predicados confirmados. Este é o segundo registo lançado em 2005 pelos Iron & Wine. O primeiro foi um EP que surgiu no início do ano intitulado Woman King.

Os Calexico, por seu lado, reúnem-se em torno de dois senhores, Joey Burns e John Convertino, que se fartam de experimentar coisas novas na música que fazem. A recente onda de colaborações confirma isso mesmo. Em 2004, participaram no álbum homónimo de Nancy Sinatra com “Burnin’ down the spark” e, já este ano, cooperaram com os Los Super Seven em Heard it on the X.

Ao contrário dos inúmeros exemplos que povoam a História das colaborações, In the Reins apresenta-se como um trabalho extremamente interessante que dá ao folk em que mergulhamos quando ouvimos a voz e a guitarra de Sam Beam um tecido instrumental de qualidade – tarefa aparentemente fácil para os Calexico. As melodias, a voz e as letras de Beam estão em todo o lado. E os Calexico completam-nas com mestria.

A mistura está longe de ser explosiva. De qualquer forma, com melodias destas, seria impossível. É muito mais harmonioso do que se poderia esperar… e não se esperava pouco. E a surpresa acontece logo no tema de abertura, “He lays in the reins”. Imaginem a mais simples e bela das canções interpretadas por Sam Beam (“Naked as we came”, “Such Great Heights” ou “Jezebel”, temas espalhados por trabalhos anteriores, são bons exemplos)… com bateria e baixo, entre outros, em harmonia e ritmo perfeitos. “He lays in the reins”, uma das melhores canções deste mini-álbum, é doce e amena, um pequeno toque no céu que nos leva a cerrar os olhos e apagar tudo o resto da mente. Com uma melodia perfeita e com arranjos que encaixam ao milímetro na composição original, este tema respira o mais puro dos ambientes norte-americanos, numa mistura entre folk e o mais refinado indie pop/rock. Destaque-se ainda a participação de Salvador Duran, que empresta a voz a esta canção, criando inicialmente uma certa estranheza no ouvido mas acabando por encaixar de forma interessante na atmosfera criada.

Mas não se esgota aqui o stock de boas músicas, que se espalham – qual praga bem-vinda – por In the Reins com graciosidade. Há um pouco de tudo: “16, Maybe Less” adormece e brinca connosco enquanto experimenta slide guitar e solos de guitarra acústica ao mesmo tempo que se apresenta com um ritmo bastante bem definido pelo baixo.

“Dead Man’s Will”, que fecha este mini-álbum, é, a par do tema de abertura, um dos momentos mais interessantes de In the Reins. A classificação é fácil: vozes que enchem e embebedam. É quase completamente acústica e é precisamente nos pequenos desequilíbrios eléctricos que “Dead Man’s Will” é elevada a peça de colecção.

Termina bem, depois de decorrer bem e de começar bem. Não há muito mais que se possa fazer em relação a isso. In the Reins é fruto de uma união feliz entre o sentimento selvagem escrito e descrito por Sam Beam de forma singela com a perfeição técnica de uma banda que é quase um movimento artístico por si só.

8/10 | Filipe Marques

~ por hiddentrack.net em 28, Setembro, 2005.