Festival Músicas do Mundo 2006

:: de 27 a 29 de Julho de 2006

No ano passado fui pela primeira vez ao Festival Músicas do Mundo em Sines e, desde o primeiro momento, fiquei rendido. O ambiente, as pessoas, o castelo e, claro, a música, fascinaram-me logo. Infelizmente fui apenas no dia de KTU, mas para sempre ficará marcado na minha memória o concerto que Kimmo Pohjonen e companhia deram nesse dia. Fiquei com a certeza de que no ano seguinte tinha que regressar, e para os três dias. Assim o fiz. Fiquei com pena de não ter ido na quarta-feira, pois muitos disseram-me maravilhas de K’Naan, um rapper natural da Somália a residir actualmente no Canadá.
Quinta-feira, dia 27, não cheguei a tempo de ver o concerto do sul-africano Vusi Mahlasela, na Avenida da Praia, mas os concertos que se seguiram compensaram e bastante, pois este foi para mim, e para muitos outros, o melhor dia do festival.

Quinta-feira, 27

Trio Rabi Abou-Khalil & Joachim Kühn
(c) Mário Pires / CMS (cortesia do FMM)

Gaiteiros de Lisboa: Não podia haver melhor forma de abrir a saga de concertos no Castelo de Sines. A mítica banda portuguesa, já com 15 anos de carreira, deu um excelente exemplo de como é possível renovar constantemente a música tradicional portuguesa e incorporá-la em tantas músicas. A música desta banda, além de afincadamente portuguesa, é também uma música do mundo. Aqui estiveram a apresentar o seu mais recente disco, Sátiro, e com ele conquistaram o público que já quase lotava o Castelo. O ritmo às vezes quase hipnótico das percussões, aliado a uma série de sonoridades que reconstroem as mais variadas tradições portuguesas, passando por música da Galiza ou das Arábias, conquistou-me.

Trio Rabi Abou-Khalil & Joachim Kühn: De Rabih Abou-Khalil só conhecia o disco Blue Camel, mas este suscitou-me logo grandes expectativas para o que viria deste concerto. Ao início poucos eram os que estavam a dar atenção aos três músicos presentes em palco. No entanto, este trio teve a habilidade de a pouco e pouco ir conquistando o público, até ao ponto em que todos já estavam rendidos a este jazz étnico, com Rabi a dar provas de ser um mestre do alaúde. Através do alaúde, Rabi Abou-Khalil transportava-nos para o seu Líbano natal, a um clima de constante guerra, mas sempre com a esperança cravada nas cordas daquela instrumento. A acompanhá-lo teve o pianista alemão Joachim Kühn, que a todos espantou nas suas divagações jazzísticas, e o americano Jarrod Cagwin nas percussões. São indescritíveis os efeitos que as músicas deste trio são capazes de nos propiciar. Espero que o público que recheava o recinto, além de se ter afundado na mística e no sonho que esta música nos traz, tenha dado atenção ao pedido de Rabih Abou-Khalil: “Stop the Bombing”.

Toumani Diabaté & Symmetric Orchestra: Este concerto foi a festa. Toumani Diabaté toca kora como ninguém, instrumento do qual se podem retirar melodias lindíssimas. Com a Symmetric Orchestra pôs todo um povo a dançar aos ritmos quentes da África Ocidental. Já se sabe que Toumani Diabaté colaborou no disco In the Heart of the Moon (2005) do mestre Ali Farka Touré, e o espírito deste músico maliano, que nos deixou no passado mês de Março e para quem todos os elogios nunca serão suficientes, pairou durante todo o espectáculo. Só uma falha a apontar: a última música do espectáculo, onde se quis fundir a música da banda com fado, uma ideia que pode parecer boa, mas cujo resultado não foi muito positivo. Mas perdoa-se, porque o resto do concerto foi grande, com uma série de instrumentos mais tradicionais das raízes dos músicos, aliados a alguns mais modernos com grande perfeição. E claro, a kora de 21 cordas de Toumani sempre em destaque. E merece.

Sexta-feira, 28

Trilok Gurtu & The Misra Brothers
(c) António Melão / CMS (cortesia do FMM)

Nuru Kane & Bayefall Gnawa: Infelizmente só consegui ver o final do concerto, mas deu para ver que a festa tinha sido grande. Esta música da África Ocidental, mais propriamente do Senegal, de onde é natural Nuru Kane, fez os corpos abanarem-se com espontaneidade. Mais uma vez a alma de Ali Farka Touré andou por ali a pairar. Um artista a descobrir com mais atenção.

Farida & Iraqi Maqam Ensemble: Foi anunciada a presença desta cantora iraquiana e da sua trupe pouco antes do início do festival, uma vez que foi impossível a deslocação à Europa de Thomas Mapfumo & The Black Unlimited, inicialmente previstos. Neste concerto Sines teve o prazer de presenciar ao vivo uma cantora com uma voz realmente soberba, tal era a sua intensidade. O facto de ser ter tido a força e coragem de enfrentar uma sociedade que reprime o sexo feminino, faz dela já uma vencedora, e toda esta garra pode-se ouvir na sua voz. Com a sua banda (donde constava família e amigos íntimos) Farida mostrou-nos o seu reportório com os ambientes do Médio Oriente a servirem de pano de fundo. No entanto, é de apontar que ao fim de meia dúzia de canções já se sabe como será o resto do concerto, o que não faz deste um mau concerto, muito longe disso, mas também não atingiu o nível dos concertos do dia anterior.

The Bad Plus: O primeiro concerto mais fraco do festival. Os Bad Plus são um trio de jazz americano, que em Sines mostrou ter tudo no sítio. Têm a técnica toda, mas não entusiasmam. A cover que fizeram da “Narc” dos Interpol foi um momento agradável, mas não mais que isso. Dispensava-se a versão dos Vangelis, no entanto.

Trilok Gurtu & The Misra Brothers: O grande concerto de sexta-feira. Conhecido por várias colaborações com Jan Garbarek ou Nitin Sawhney, em Sines levou a música da Índia a outras paisagens bem mais distantes, para as quais contribuíram em muito as vozes de Rajan e Sajan Misra, praticantes do canto khylal, um canto profundamente místico. Nas mais variadas percussões (tablas, bateria, etc) Trilok Gurtu mostrou toda a sua sabedoria, destacando-se o momento hipnótico quando Trilok começou a fazer música com gongos, água e um instrumento de sopro que nos transportava para revoltosas tempestades.

Sábado, 29

Seun Kuti & Egypt 80
(c) António Melão / CMS (cortesia do FMM)

Mariem Hassan: Mais uma vez perdi maior parte do concerto da tarde na Avenida da Praia. Natural do Sahara Ocidental, Mariem encantou com a sua grande voz e a sua música desértica. No entanto dispensava-se o volume demasiado elevado da guitarra eléctrica solo, que por vezes abafava o resto dos instrumentos.

Värttinä: Foram anunciadas como a maior sensação da folk finlandesa. De folk a música destas três meninas pouco teve. Mais pareciam uma girls-band finlandesa, com coreografias e tudo. Erro de casting. Não mereceram estar no Festival Músicas do Mundo.

Cordel do Fogo Encantado: A muitos esta banda brasileira encantou no festival. Eu não fui um desses. O vocalista fazia lembrar o vocalista dos Flaming Lips, como várias pessoas pelo recinto comentavam. Em Sines fizeram uma mescla dum bom espectáculo de luzes, ambientes psicadélicos com fogo à mistura e momentos poéticos. No entanto, à primeira vista passaram um pouco ao lado. Não foram maus como as Värttinä, mas tanto espectáculo não entusiasmou muito aqui o escriba.

Seun Kuti & Egypt 80: No dia anterior não tive a possibilidade de ver e ouvir na Avenida da Praia o baterista Tony Allen, por isso quando soube que este se iria juntar a Seun Kuti no castelo, dei-me por contente. No início do concerto houve logo fogo de artifício a acompanhar a festa que se vivia em palco, onde se podiam contar à volta de 17 músicos. Foi momento bonito de se ver. Seun Kuti segue fielmente os ensinamentos do seu pai, Fela Kuti, e tal como ele, em palco dança como se não houvesse amanhã. Em Sines pudemos vê-lo acompanhado da última banda do pai, os Egypt 80, com a qual nos deu um bom espectáculo com o afrobeat a dominar as hostes, a lembrar uma vez mais o pai. Quando não estava a dançar freneticamente ou a cantar quase sem fôlego, Seun Kuti fazia malabarismos com o seu saxofone. Em tudo Seun Kuti é bastante parecido com o pai, mas foi, ainda assim, em grande forma que o Castelo de Sines se despediu dos concertos.

João Moço

~ por hiddentrack.net em 29, Julho, 2006.

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